PML na Época:
o mensalão do PT e o de MG
As provas de que os parlamentares colocavam dinheiro no bolso para mudar seu voto não apareceram até agora.
Por sugestão da amiga navegante Mariazinha:
31/08/2012
Paulo Moreira Leite
Leio
e ouço que a decisão da primeira fase do STF mostra que os tempos estão
mudando e que a votação de 9 a 2 contra os réus indica uma opção contra
a impunidade.
Confesso que sempre gostei de Bob Dylan e sou
daqueles que acreditam e torcem por mudanças. Mas não sei se é isso o
que estamos assistindo. Mudança, no Brasil, é
conseguir o básico.
No caso da Justiça, garantir direitos iguais para todos, qualquer que
seja sua cor, credo, condição social ou opinião política. Será que é
isso que estamos vendo?
Estrelado pelo mesmo esquema, com personagens iguais e outros, equivalentes, o mensalão mineiro segue quieto lá nas Alterosas.
O
tratamento desigual para situações iguais é constrangedor. Ao dar uma
entrevista a Monica Bergamo, o relator Joaquim Barbosa lembrou que a
imprensa nunca deu a mesma importância ao mensalão mineiro. Ele até
disse que, quando tocava no assunto, os repórteres reagiam com um
“sorriso amarelo.”
Eu acho bom quando um ministro do Supremo se
refere ao tratamento desigual que parte da mídia dispensou aos dois
mensalões. Mostra que isso não é “coisa de mensaleiro petista ” não é
mesmo?
Mas há outro aspecto. O fato da imprensa dar um tratamento
desigual é um dado da política brasileira e, no fim das contas, diz
respeito a um jornal e seus leitores. Como leitor, eu posso até achar
que a imprensa deve tratar todos da mesma maneira, deve procurar ser
isenta mas a liberdade de expressão garante que todo jornal e todo
jornalista tenha suas preferencias, suas prioridades e opções. Salvo
patologias criminosas, todos têm o direito o direito de exercitá-las.
A visão que você lê neste blogue é diferente daquela que vai encontrar em outros lugares. É bom que seja assim.
A
justiça não. Esta deve ser tão isenta que a querem cega. E aí, data
vênia, quem sorri amarelo, neste caso, é quem desmembrou o mensalão (do
PSDB) mineiro e unificou o mensalão petista.
Porque estamos
falando de um tratamento desigual para situações idênticas, no mesmo
país, no mesmo sistema, no mesmo tribunal. O direito de uns foi
reconhecido. O de outros, não. Às vezes, chegou-se a uma situação
surrealista.
Nos dois casos, o “núcleo operacional”, para usar a
definição do procurador geral, é o mesmo. Marcos Valério, Cristiano Paz
e os outros. O Banco Rural também. As técnicas de arrecadação e
distribuição de recursos eram as mesmas. Só mudou o núcleo político.
Então, me desculpem, o problema está na política. Sim.
Por causa
do desmembramento, podemos ter sentenças diferentes para o mesmo caso.
“Dois pesos, dois mensalões,” já escreveu Jânio de Freitas.
Se o
mensalão petista tivesse sido desmembrado, o deputado João Paulo e
outros dois parlamentares acusados até poderiam ser julgados em
Brasília, como o deputado Eduardo Azeredo será, quando seu dia chegar.
(O mensalão mineiro é mais antigo mas anda mais devagar, também. Ainda
estão colhendo depoimentos, ouvindo testemunhas…) Ainda assim, teremos
outros prazos e, muito possivelmente outras penas.
Mas em caso de
desmembramento, José Dirceu e José Genoíno, para ficar nos nomes mais
ilustres e simbólicos, teriam sido reencaminhados para a Justiça comum,
com direito a várias etapas de julgamento antes da condenação. O Ibope
seria menor. E não estou falando só da repercussão nas eleições
municipais de 2012. Por favor: a questão não se resume ao novo candidato
do PT a prefeitura de Osasco.
Nós sabemos que o troféu principal
do julgamento é Dirceu. O número 2, Genoíno. É por isso que o caso se
encontra no STF. Ali tem mais holofotes.
No início do julgamento,
Gilmar Mendes chegou a sugerir que as chances dos réus serem absolvidos
eram maiores num julgamento desmembrado do que num processo unificado.
Concordo.
Mas se isso é verdade, por que mesmo se deu um
tratamento diferenciado? Não é preciso sofisticar mais o raciocínio.
Como perguntou Eduardo Kossmann, advogado. Considerando que a
Constituição diz que todos são iguais perante a lei “como explicar para
meu filho de cinco anos?”
Uma sentença do Supremo é um
acontecimento duradouro. Repercute hoje, amanhã, no ano que vem e daqui a
uma década. Destrói uma vida, aniquila uma reputação.
Como disse
Pedro Abramoway, que passou os dois mandatos de Lula em posições
importantes no área jurídica, o mensalão propriamente não foi julgado.
Aquela denúncia, de compra de consciências, que é o centro da acusação
do procurador Roberto Gurgel, ficou para mais tarde.
As provas de que os parlamentares colocavam dinheiro no bolso para mudar seu voto não apareceram até agora.
Isso
apareceu quando o deputado Ronnie Von Santiago (olha só, mais um
roqueiro no debate) confessou que tinha recebido R$ 200 mil para votar a
favor da reeleição de Fernando Henrique Cardoso, há quase 20 anos. Ali
foi suborno, foi propina, foi compra de votos. Pelo menos ele disse
isso. Os mais de 300 ouvidos no mensalão sempre negaram. Todos.
Até Roberto Jefferson mudou o depoimento na hora em que era para valer.
Mas o caso de Ronnie Von não gerou um processo tão grande. Nada aconteceu com seu núcleo politico, vamos combinar.
E é isso que mostra que tudo pode estar mudando para que nada mude.
O
deputado João Paulo Cunha foi condenado a 6 anos de prisão em função de
uma prova que pode ser discutida. A de que recebeu uma propina de R$ 50
000 para aprovar um contrato de R$ 10 milhões com as empresas de Marcos
Valério. Você pode até dizer que é tudo “parte do mesmo esquema” e dar
aquele sorriso malicioso de quem acha todos os argumentos contrários
apenas ingênuos ou cúmplices mas vamos combinar que há um pressuposto
nessa visão.
O pressuposto é de que não houve nem podia haver
outro tipo de pagamento nesta operação. Não podia ser dinheiro de
campanha, nem recurso de caixa 2. O problema é que as campanhas costumam
ser feitas com caixa 2, que devem ser apurado, investigado e punido.
Mas são outro crime.
Caixa 2 não é uma “tese” da defesa. Pode ser
“tese” artificial ou pode ser uma “tese” com base na realidade. Mas a
sonegação existe, está aí, pode ser demonstrada em vários momentos da
vida brasileira, inclusive em campanhas eleitorais. Existem empresas
criadas especialmente para ajudar os interessados nesse tipo de coisa.
Acho
positivo o esforço de questionar e desvendar o que está por trás das
coisas. Mas não sei se neste caso tudo ficou tão demonstrado como se
gostaria.
Por exemplo. Os milhões de dólares que Paulo Maluf
mandou para o exterior foram comprovados. Funcionários das empreiteiras
explicaram, detalhadamente, como o esquema funcionava, como se
fabricavam notas frias e como se fazia o desvio dos recursos públicos.
No entanto, Maluf hoje em dia não pode viajar por causa de um mandato da
Interpol. Mas não cumpre pena de prisão. Foi preso quando havia o risco
de fugir.
Outro exemplo. As agências de Marcos Valério foram
acusadas de embolsar um dinheiro a que não teriam direito nos contratos
com o Visanet, o chamado bônus por volume. O problema é que essa
prática é muito frequente no mercado publicitário e, em 2008, foi
regulamentada em lei no Congresso. O que não era proibido nem permitido
foi legalizado. Mas ontem, o ministro Ayres Britto, presidente do STF,
disse que a aprovação dessa lei foi uma manobra para beneficiar os
acusados do mensalão. É muito possível. Mas eu acho que um ministro do
Supremo não deveria fazer uma acusação gravíssima contra uma decisão de
outro poder. Ou pode?
No http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2012/08/31/pmc-na-epoca-o-mensalao-do-pt-e-o-de-mg/