terça-feira, 1 de janeiro de 2013

"Talvez, então, daqui a dez anos não tenhamos tido nenhuma mudança dramática, mas teremos consolidado a democracia se tivermos resistido aos golpes que pretendam interrompê-la ou restringi-la sob o pretexto de aperfeiçoá-la e se tivermos, até, alcançado alguma redução da corrupção."


UM VERBETE SOBRE
“CORRUPÇÃO E POLÍTICA”

O objetivo possível é aprimorar os controles, sem paralisar a política.
Amigo navegante envia essa preciosidade: verbete sobre corrupção, publicado em junho de 2005 num “Pequeno Dicionário da Crise” no Caderno Mais da Folha.

O autor é Otávio Velho, Professor Titular aposentado em Antropologia Social do Museu Nacional (UFRJ).

CORRUPÇÃO. O uso do termo para referir-se a suborno, depravação, utilização de meios ilegais no serviço público, etc., deriva-se do seu sentido geral como ato, processo ou efeito de tornar-se apodrecido. É interessante, assim, como a corrupção no terreno jurídico-político deita raízes na observação de um fenômeno natural, certamente com a mediação de sua utilização no terreno da religião. Só que na tradição cristã a corrupção associa-se a uma grande anormalidade inicial: o afastamento dos seres humanos de Deus. É provável, portanto, que no terreno jurídico-político trate-se muito mais do controle da corrupção do que de acabar com ela. 
O controle, portanto, deveria caber à lei. O que parece, no entanto, é que boa parte da vida social não é redutível a um quadro legal universal. Quase que se poderia dizer que os grupos sociais têm as suas fronteiras dadas exatamente pelos limites dentro dos quais se praticam usos e costumes aceitos, mesmo que ao arrepio da lei universal. Exemplos não faltam, o que não deixa de levantar delicadas questões no manejo das relações entre o interno e o externo a esses grupos.
Não é à-toa que na política o decoro ganha proeminência. Os momentos de crise são em geral aqueles em que ele é atingido, seja pelo rompimento de regras não escritas, seja porque a disputa política leva uma das partes como último recurso a fazer apelo à lei universal, seja por ingerência externa. Nisso a mídia tem hoje importância decisiva na caracterização de escândalos. 
Trata-se de não esquecer que o objetivo possível é aprimorar os controles, sem paralisar a política. Nem o irrealismo ou a demagogia dos que dizem pretender (até como arma política) acabar com a corrupção, nem a penalização unilateral dos emergentes, obrigados a expor-se para romper os domínios tácitos. Talvez, então, daqui a dez anos não tenhamos tido nenhuma mudança dramática, mas teremos consolidado a democracia se tivermos resistido aos golpes que pretendam interrompê-la ou restringi-la sob o pretexto de aperfeiçoá-la e se tivermos, até, alcançado alguma redução da corrupção. Poderíamos mesmo ter alguma mudança cultural, resultado que não pode ser planejado, nem colocado como condição inicial.

Otávio Velho, 63, é Professor Titular aposentado em Antropologia Social do Museu Nacional (UFRJ).

No http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2012/12/31/um-verbete-sobre-corrupcao-e-politica/

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