sábado, 19 de fevereiro de 2011

O Brasil está mudando e é obrigação de todos erradicar o vírus do racismo que apodrece a alma de cada um de nós.

Racismo é horror e a gente tem tudo a ver com isso, por Marcelo Carneiro da Cunha

Racismo é horror e a gente tem tudo a ver com isso

Marcelo Carneiro da Cunha
De São Paulo
Estimados milhares de leitores, hoje, esse que vos escreve está uma fera e não é com qualquer um, não. É comigo, antes de mais nada, é com o mundo todo, é com cada um de nós, que não dá um jeito de dar um jeito em algumas coisas que nos perseguem, há séculos, sem solução.
Recebi via twitter dos jornalistas Bob Fernandes e Cynara Menezes duas denúncias de racismo e isso azedou o meu dia até não ter mais jeito. Um deles, um músico cubano que elegeu o Brasil como lar, sendo tratado como um ser desvivente no insalubre Shopping Cidade Jardim e que você pode ler aqui. No outro caso,duas meninas foram barradas na festa de aniversário de uma delas, no Rio de Janeiro.
Não é de enlouquecer, caros leitores? Somos, todos, responsáveis pelo que nossa sociedade faz ou deixa de fazer, estimados leitores. Então, o que vamos fazer, na nossa condição de síndicos desse condomínio racista chamado Brasil?
Em primeiro lugar, primeiríssimo, vamos dar uma chance às nossas crianças de serem melhores do que esses trastes que a gente se tornou, por muitas razões. Já que não dá para ignorar o fato de que o racismo ainda está presente e de forma subcutânea, vamos conversar com elas, muito, vamos propor a elas ambientes mais multiculturais e multirraciais do que o Itaim, para começo de conversa. Deixemos que elas aprendam, na prática, como é sem sentido e estúpido qualquer julgamento de alguém com base na cor da pele. Já é um começo, portanto, a ele, todos, já.
Se os negros ainda são os mais pobres no Brasil, vamos seguir firmes no projeto de tornar o Brasil menos pobre, que ele automaticamente se torna menos racista. Na hora em que todo mundo pode consumir da mesma maneira, isso afeta a visão que temos de todos nós e dos nossos espaços naturais na hierarquia social. Funcionou nos aeroportos, não funcionou? Antes brancos, hoje são mulatos, com todo mundo voando, não é? Vamos fazer o mesmo com os shoppings e com as escolas superiores, e com as praias, e com os automóveis, e com os restaurantes, e com as lojas, e com as gerências e direções de empresas, e com todos os espaços que as pessoas ocupam. Que passem a ser mais e mais por mérito, e menos por razões estabelecidas no berço.
Eu sou contra as cotas raciais, como todos sabem. Não sou a favor de combater racismo com mais racismo, mesmo com sinal contrário. Vamos simplesmente abrir as portas das universidades para todos, e colocar pressão no mercado de trabalho para aceitar a todos igualmente, igualmente, e não privilegiando uns. Vamos colocar pressão nas empresa para ver se elas contratam de maneira democrática, meritocrática, e não racista. Isso, é da lei, e deve ser feito. E, cada um de nós, cada um de vocês, ao ver uma injustiça ou preconceito sendo cometidos, solta a voz na estrada. Que tal?
Precisamos, na verdade, estimados colegas de nacionalidade, repensar esse nosso Brasil. Nós somos um país mestiço e essa é a nossa base, a nossa maior qualidade. Somos um país onde qualquer um pode ser cidadão, com a estampa que tiver. Pode ser descendente de tudo, nigeriano, boliviano, sueco, alemão, italiano, guarani, espanhol, português ou búlgaro, e assim mesmo, por isso mesmo, ser absolutamente brasileiro. Isso me faz gostar de ser um de nós, estimados colegas de nacionalidade. Não podemos estragar essa nossa capacidade de mistura marcando a um ou outro por sua etnia predominante. Nada dessa detestável coisa americana de chamar as pessoas de Asian-American, African-American, German-American, Italian-American, como se gente viesse com rótulo, além de embalagem, e as pessoas precisassem de uma explicação para existir.
Lembro de um episódio anos atrás, num avião logo após o 11 de setembro, no qual, ao ver entrar um homem vestido de imam, minha reação foi de medo, e eu olhava para ele e pensava em bombas. Horas depois, o vi numa conversa animada com a sua vizinha de poltrona, que não sei quem era, mas seguramente era uma pessoa muito melhor do que eu. Nunca me perdoei por essa fraqueza, estimados leitores, e, nunca falei disso antes, e só conto a história por sermos já tão íntimos e para vocês saberem como eu sou um péssimo ser humano, mesmo que por alguns minutos. Só me sinto um pouquinho melhor do que o Jair Bolsonaro e do que o Silas Malafaia por eles serem maus o tempo inteiro, mas isso é um detalhe.
Não é o outro o problema, estimados leitores. Não é o racismo ou o preconceito dos outros com que devemos nos preocupar. Precisamos olhar para o demoniozinho aqui dentro, caros leitores, em cada um de nós. Precisamos olhar para o olhar com que olhamos ao redor, e dar uma desentortada nele, enquanto nossas crianças crescem, melhores do que a gente.
Uma vez que não dá para sermos perfeitos, o que dá muito trabalho e pouco retorno, o jeito é sermos melhores, estimados leitores - algo que até eu, até o senhor aqui ao lado, e muito mais facilmente os meus leitores, com sua inteligência insuperável e sensibilidade sem igual, podem, assim, num átimo, ser.

Marcelo Carneiro da Cunha é escritor e jornalista. Escreveu o argumento do curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outros importantes festivais. Entre outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance "O Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do Sexo", que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens estão sendo produzidos a partir de seus romances "Insônia" e "Antes que o Mundo Acabe", publicados pela editora Projeto.
No http://aposentadoinvocado1.blogspot.com/

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