terça-feira, 6 de setembro de 2011

"Afinal de contas, e pense rápido, o que é pior: o “titio” que está sempre no bar “pegando todas” com um copo de cerveja e um sorrisão no rosto (com uma camisa havaiana, óculos de sol, na beira de uma piscina, quase um Lolito), ou a “titia”, a um passo da depressão da passividade?"

GUEST POST: AS MULHERES REALMENTE PODEM SE CASAR?

Carola é professora do Ensino Fundamental, e decidiu escrever o texto abaixo quando uma ex-aluna lhe confessou estar indecisa acerca de uma proposta de casamento "um tanto quanto desesperada (de ambos os lados)". Seu questionamento, muito interessante, é até que ponto nós mulheres somos livres para nos casar, sendo que o convite raramente parte da gente.

Escrevo, Lola, escrevo. Escrevo para perguntar: será que as mulheres podem realmente se casar? Quanto mais penso em cima deste assunto, vejo que não, que elas não podem se casar. O que a mulher, em nossa sociedade machista e arraigadamente machista pode fazer é responder que “sim”, que “não” e, quando muito, que “talvez”. Esta tríade de possibilidades dá a falsa impressão de que as mulheres estão livres para bater suas asas, ao contrário de um passado extremamente distante, e escolher seus maridos com um livre arbítrio pujante. Esquecem, porém, de dizer que o livre arbítrio em nossa sociedade é intrinsecamente vinculado apenas à resposta, não também à pergunta.
Em outras palavras, se a mulher pode responder de três formas diferentes (formas estas que abrangem todas as possibilidades de resposta -– ainda que isto não seja o suficiente, como veremos), ela possui realmente toda a abrangência nas questões matrimoniais? Não, pois estamos nos esquecendo de metade da equação: a pergunta. A mulher em nossa sociedade não pode perguntar, ela pode apenas responder –- a velha história da figura da mulher como ser passivo guiado (me desculpem se a comparação é rude, mas é o que ocorre) como um cavalo -– ou como Brás Cubas em cima do menino Prudêncio.
Durante os séculos de perpetuação do galanteio exclusivamente masculino e da passividade retórica feminina, a mulher, aquela princesa trancafiada no castelo, está presa na liberdade de poder responder e apenas responder ao cavaleiro que a espera embaixo em seu cavalo branco. Se antigamente -– que não está tão envelhecido de nós -– a mulher não tinha nem esta possibilidade de resposta, hoje ela ainda não possui toda a completude da situação. Afinal de contas, se em nossa sociedade apenas o homem “pode tomar uma ação”, se apenas o homem “pode pedir em casamento / pedir a mão”, como as mulheres podem ter pleno controle?
Se dizem que “sim”, entramos em uma infinitude de questões separadas, que vão desde a diferença entre o divórcio possivelmente futuro sob a ótica de para um homem e de para uma mulher (“vamos beber até cair e pegar umas”; “você não devia ter dito que sim!”) até o eterno medo de virar “titia”. A figura da “titia” é um fantasma que paira sob a cabeça de mulheres e mais mulheres, como se ser “titia” fosse o pior dos fardos. Quantas mulheres não se casam para não virarem “titias” e, por consequência desta atitude destrambelhada, sofrem na mão de crápulas -– e sofrem vidas inteiras –- e morrem? O mito da mulher independente, no imaginário machista, só pode ser vinculado com esta tal “titia” que está bebendo nos bares e seduzindo garotões, como se existisse algum crime aí. Beber não é crime, seduzir garotões não é crime -– desde que, é claro, estes garotões sejam garotões etc. Na sociedade machista, a existência de uma mulher independente que simplesmente não precise de um homem para sobreviver é tão absurda quanto a mula sem cabeça -– e é tão execrável quanto. Nas novelas estas mulheres independentes vivem da herança do pai (logo, não trabalham, são ociosas e preguiçosas [“odeio trabalho!”]) e estão sempre em personagens caricatas. No final, convertem-se em mulheres devidamente regularizadas.
E quando se diz que “não”? Entramos logo no fantasma da “titia” que ronda o imaginário destas mulheres sob a fala de inúmeras pessoas: da mãe, que quer que a filha constitua uma família (obrigatoriamente e inevitavelmente constituir uma família, como se isso fosse uma decisão irremediável e que não pudesse ser decidida), do pai, das amigas...
Pra não falar na imagem da “mulher difícil” que se liga também à resposta do “talvez”. Aquela mulher que, por estar decidindo se é isto mesmo que ela quer da vida, se é esta pessoa que ela quer ao seu lado, é condenada como uma futura candidata a “titia” –- e a carregar este fardo horroroso e tremendo...
Sendo assim, se existem pressões sociais e psicológicas (resultados de processos históricos e não do “feminismo malvado que fez com que as mulheres parassem de serem felizes”) por todos os lados que tencionam à resposta do “sim”, destrambelhadamente ou não, como dizer que a mulher possui livre arbítrio? É muito fácil cair nesta resposta simples de liberdade, como se a liberdade fosse uma dimensão alheia ao espaço e ao tempo, como se a liberdade existisse abiogeneticamente, desconectada de tudo. Como se ela não dependesse de uma sociedade e de um pensamento, de uma ideologia de uma sociedade. Numa sociedade que quer respostas prontas e que não está acostumada a pensar –- e que, quando tem seus miúdos grãos que pensam, taxam estes mesmos grãos de “ideologistas” ou seja lá como chamam ou intentam chamar -– é realmente muito comum que qualquer esboço de liberdade seja definitivo e absoluto e que qualquer mudança proponha apenas mudar o quadro belo e harmônico contemporâneo (também conhecido como “os princípios do passado”).
O que devemos pensar, nos perguntar e refletir é: apenas o homem é e deve ser o ser realmente ativo de uma relação? A mulher é um depósito, é um oráculo místico que apenas responde às perguntas passivamente?
Talvez no dia em que a pergunta for pesada da mesma forma que a resposta poderemos ter reflexões realmente livres e libertas –- e não falsamente libertas. Afinal de contas, e pense rápido, o que é pior: o “titio” que está sempre no bar “pegando todas” com um copo de cerveja e um sorrisão no rosto (com uma camisa havaiana, óculos de sol, na beira de uma piscina, quase um Lolito), ou a “titia”, a um passo da depressão da passividade?
 
 
No http://escrevalolaescreva.blogspot.com/ 

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