quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O dia do professor está chegando, eis aí a homenagem de Cid Gomes, governador do Ceará

A Democracia Esfaqueada



Texto: Rafael Tomyama* Fotos: Alex Costa (DN) - http://www.bocadigital.net/
Farsa montada durante protesto de professores em greve ameaça estabilidade institucional no Ceará
Durante manifestação de professores em luta no Ceará pela implantação do Piso Nacional da categoria em 29/9, um episódio chocou o país: o brutal espancamento de professores dentro do prédio da Assembleia Legislativa, enquanto os parlamentares no plenário votavam uma mensagem do Executivo que não atendia às suas reivindicações. Para tentar justificar o injustificável, o destacamento da Polícia Militar na Casa tentou montar uma fraude com ajuda da imprensa, agora desmascarada. O caso é tão grave que detona, de uma só vez, a credibilidade do governo, do parlamento e da velha mídia no Estado.

Farsa
Chocante. Estarrecedor. Inaceitável. Esta é a verdadeira magnitude de um escândalo que atinge a reputação e credibilidade das instituições parlamentar, policial e jornalística no Ceará. O episódio da “faca”, encontrada e exibida como um troféu à imprensa pelo Comandante da segurança da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará durante manifestação dos professores em greve, no fatídico 29/9 naquele local, foi tida como a prova inconteste, na versão da Polícia Militar, de que o movimento dos grevistas é “violento” e que, portanto, o espancamento do qual foram vítimas foi um gesto de “defesa” da ordem e da integridade de seus membros e da patrimônio daquela Casa Legislativa.
Tese
Mais do que culpabilizar e criminalizar um movimento organizado reivindicatório legítimo, serviu também para sustentar a tese de um “confronto”, em que ambos os lados teriam protagonizado um “enfrentamento” em pé de igualdade, e descartar a do massacre de que foram vítimas. Os professores teriam cometido o sacrilégio de se utilizar da violência, cujo monopólio cabe exclusivamente à força repressiva do Estado.
A imprensa subserviente também fez a sua parte. Fotos e imagens dos professores sangrando foram estampadas ao lado do orgulhoso policial exibindo “a faca”. A versão policial foi transcrita sem a menor preocupação de ouvir professores sobre isso. Diante do conflito em questão era uma informação no mínimo suspeita. E a imprensa repetiu a versão da polícia sem ao menos se dar ao trabalho de checar. Na imagem publicada nos jornais via-se claramente não um cossoco ou uma faca de cozinha ou um cutelo ou uma peixeira, mas uma faca de uso exclusivo militar. Mesmo que ferisse a inteligência da audiência e do público leitor observar que a “prova” era parte de uma farsa, por razões óbvias.
E tem mais: A tal faca chegou na ALEC como? Flutuando? Materializou-se em meio à multidão? Não havia um indivíduo que a portava? Não há uma única de imagem de circuito interno de TV? Uma testemunha idônea? Uma impressão digital? Um resquício de prova qualquer, em que se revela o suposto sanguinário professor esfaqueador? Perguntas que martelavam a cabeça sem poder calar.
Ao observar-se o contexto da tentativa de criminalização de movimentos sociais, é um absurdo que se lance mão de um expediente típico da ditadura fascista, para supostamente “justificar” a repressão, o uso desmedido da força e o massacre aos trabalhadores, taxados de “baderneiros”. Comprovada a farsa, não há voz séria e honrada que não se indigne diante de tamanha monstruosidade.
Desmentido
Mas o patético espetáculo prossegue. Ao estardalhaço no “quente” da notícia segue uma protocolar nota-desementido no rodapé de uma coluna opinativa. Afinal, não se pode acusar o veículo de não ter atuado com isenção. Que é isso? Sobre o erro do jornal e da imprensa em geral, que repetiu como boneco de ventríloquo a mentira, nem uma linha. Porque se admitiria o próprio erro?
Mas os supostos principais politicamente beneficiados pela astúcia da manobra são: o governador do Ceará e o presidente e demais deputados da maioria submissa na Assembleia. Pensavam que poderiam simplesmente esmagar e passar por cima dos trabalhadores em luta, votando a mensagem do Executivo e descendo-lhes cassetetes para que se calassem. Provaram do gosto amargo de uma vitória de Pirro e estão aí de volta para “negociar”. Negociar o quê? Não haviam ganho a parada?
Uma coisa é preciso admitir: o espancamento serviu para coesionar e fortalecer o movimento paredista, que ganha mais e mais adesões e manifestações de apoio de todos os segmentos sociais a cada dia. A cada passeata ou ato político multidões crescentes de lutadores de todas as idades e segmentos sociais se somam aos protestos, numa onda irrefreável de apoio e solidariedade.
A instituição ALEC, na contramão, em mais uma demonstração de sua truculência, publicou nota paga em página inteira no final de semana, nos jornais que circulam no Estado, com o dinheiro dos contribuintes, para fazer de conta que nada demais havia acontecido e posar de vítima e de altiva, por conta das “medidas” ainda a serem tomadas. Oremos para que não sejam novas medidas anti-povo.
Colchões
Vejamos o que diz o apurado por Érico Firmo na Coluna de Política do jornal O Povo em 4/11 (“Faca pertencia à policial”): O coronel Pimentel, comandante militar da ALEC admitiu que a arma era de um membro da própria corporação militar.
Segundo os grevistas, os policiais estavam cortando os colchões em que estavam deitados os professores em greve de fome. É normal isso? Policiais investindo furiosamente contra colchões? Por quê? Qual seria o crime que estariam cometendo pessoas deitadas em colchões? Seriam eles os protagonistas do “ataque” que alegam terem sido vítimas os policiais? Pessoas deitadas em colchões?
Mas isso, a mídia subalterna não questiona. A risível versão policial de que foram empurrados por colchões (que, portanto, poderiam ser cortados) é a versão oficial e definitiva.
Laranjas
Ah, mas tem mais, segundo ele apareceu “outra faca”. Pena que não apareceu nas fotos. Segundo as informações fornecidas pelo próprio Pimentel, provavelmente se desprendeu e caiu quando os professores arremessaram o que tinham nas mãos (quando foram atacados). Arremessaram o quê? Laranjas. Ah, os policiais foram vítimas de um “ataque”. De quê? Laranjas. Com casca ou sem?
É um escândalo. Um atentado à democracia e ao Estado de Direito. Em qualquer país sério do mundo isso resultaria numa apuração isenta e rigorosa. Pra começar. E no mínimo num esclarecimento à sociedade, com aplicação de medidas disciplinares. Mas o que estão dizendo as autoridades? Nada. Silenciaram. Omitem-se? Prevaricam, portanto?
Enfim, tratado neste “nível” de displicência, o deboche vem à tona. Riem da cara do povo. Os “espertos” contam com a certeza da impunidade por seus atos, por se acharem do lado do poder. Mas a história ainda há de contar como, no final de setembro de 2011, as principais instituições da sociedade cearense fracassaram. *Rafael Tomyama é estudante de jornalismo em Fortaleza-CE.

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