domingo, 9 de outubro de 2011

"Vivi os piores momentos da minha vida no enterro dela. Mas no julgamento… no julgamento eu senti ódio. Aquele advogado falou tanta coisa… Teve uma hora que ele disse bem assim: ‘O que ele (o marido) fez foi pouco. Onde já se viu, mulher casada sair sozinha e voltar para casa de madrugada!’. Que Deus me perdoe, mas senti ódio daquele homem… Fiquei pensando, como pode alguém ganhar dinheiro para fazer uma coisa dessas? Ele mentiu!”

As mulheres são assassinadas duas vezes , pelo algoz e por seu advogado

VIOLêNCIA CONTRA A MULHER »
Vítimas no banco dos réus
Durante o julgamento de homens que assassinaram suas companheiras, defensores usam estratégia moral de ataque à reputação e tentam convencer que os algozes agiram sob emoção
ANA MARIA CAMPOS
ADRIANA BERNARDES

Djanira Sousa não se conforma com os ataques que a irmã, Deijacy (E), sofreu no julgamento do homem que a matou (Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Djanira Sousa não se conforma com os ataques que a irmã, Deijacy (E), sofreu no julgamento do homem que a matou

Quando começar o julgamento do ex-professor de direito Rendrik Vieira Rodrigues, 35 anos, no Tribunal do Júri de Brasília, a estudante Suênia Sousa de Farias, 24, assassinada com três tiros no último dia 30 — dois na cabeça e um no tórax —, também estará no banco dos réus. Esse é o desfecho de casos de vítimas de violência provocada pela fúria de quem não aceita a rejeição. Na tentativa de comover os jurados, advogados de defesa usam uma estratégia moral. A discussão passa a ser o comportamento de quem morreu, seu passado, hábitos, interesses e antigos relacionamentos. Quanto mais perto ela estiver do perfil condenável socialmente, mais distante seu agressor estará da prisão. Muitas vezes, na análise da conduta de um assassino, a mulher sofre, já no túmulo, uma nova agressão. Dessa vez, à sua história.

Por estratégia, o advogado de Rendrik, Andrew Farias, não antecipa a linha da defesa. Nesse caso, no entanto, não há dúvida quanto à autoria do crime. Resta discutir as circunstâncias. Em situações como essa, é preciso convencer o corpo de jurados de que o assassino confesso agiu sob forte emoção. A jurisprudência brasileira já não admite a tese de legítima defesa da honra, que prevaleceu no rumoroso episódio do julgamento do playboy Doca Street no fim da década de 1970 (veja Memória). Mas promotores de Justiça e advogados confirmam que a imagem e o comportamento da vítima e do réu no julgamento popular são fatores muitas vezes decisivos na hora de convencer os sete jurados.

No julgamento, Rendrik será apresentado como um homem trabalhador, cumpridor dos deveres, bom professor, respeitoso com os alunos, réu primário, pacífico, mas que teve um rompante de paixão. A vítima será julgada aos olhos dos jurados pelo relacionamento que manteve com ele. Serão expostos detalhes que só ela poderia rebater. “Nesses casos, em geral, ocorre uma tentativa de vitimização do réu”, analisa o procurador Alexandre Vitorino, que já atuou como defensor público em tribunais do júri. “É muito comum ocorrer a exposição das reputações em julgamentos de crimes sexuais”, aponta.

Desvantagem
Uma mulher que traiu ostensivamente o marido, teve muitos amantes ou não cuidava dos filhos começa em desvantagem, independentemente da violência que sofreu. O Código Penal, no artigo 121, abre uma brecha que advogados tentam usar. Trata-se do homicídio privilegiado. É considerada uma causa de diminuição da pena “se o agente comete o crime sob o domínio de forte emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima”. Nesse caso, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Basta que os jurados acreditem que o assassino agiu movido por uma paixão avassaladora, num ímpeto, como reação a uma forte ofensa do ser amado. “É muito difícil comprovar que um crime ocorreu nessas circunstâncias, mas se os jurados se convencerem, mesmo condenado, o réu sai praticamente livre do julgamento”, explica o promotor José Pimentel Neto, que atua no Tribunal do Júri de Brasília.

Depoimento
“Senti ódio dele”

“Quando minha irmã morreu, eu estava no Pará. Vim para Brasília na mesma hora, com um par chinelos e duas trocas de roupa numa mochila. Vivi os piores momentos da minha vida no enterro dela. Mas no julgamento… no julgamento eu senti ódio. Aquele advogado falou tanta coisa… Teve uma hora que ele disse bem assim: ‘O que ele (o marido) fez foi pouco. Onde já se viu, mulher casada sair sozinha e voltar para casa de madrugada!’. Que Deus me perdoe, mas senti ódio daquele homem… Fiquei pensando, como pode alguém ganhar dinheiro para fazer uma coisa dessas? Ele mentiu!”

Djanira Lima Sousa, 36 anos,
cozinheira, irmã de Deijacy, assassinada pelo marido aos 31 anos, em 2009  
 
No http://aposentadoinvocado1.blogspot.com/

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