domingo, 23 de janeiro de 2011

Um livro para ser lido, uma lição para ser praticada: PAZ!

INACREDITÁVEL !

Um livro de memórias que acredita na paz, mesmo após o impensável

The New York Times
Joseph Berger
  • Junto com seu filho, o médico Izzeldin Abuelaish olha uma foto de Bessan, uma de duas filhas mortas em 2009 Junto com seu filho, o médico Izzeldin Abuelaish olha uma foto de Bessan, uma de duas filhas mortas em 2009
Trabalhar como único ginecologista palestino em um hospital israelense causou momentos difíceis para Izzeldin Abuelaish.

O marido de uma paciente judia o acusou de colocar em risco a gravidez de sua esposa por ele ser árabe. Os vizinhos palestinos zombavam dele por realizar o parto de bebês que cresceriam como “soldados que vão nos bombardear e atirar contra nós”.

Toda vez Abuelaish confortava a si mesmo com a convicção de que conseguiria superar o medo e construir pontes pessoais entre as duas culturas desconfiadas. Mas essa crença foi dolorosamente testada há dois anos, durante as três semanas da guerra de Gaza, quando disparos de um tanque israelense destruíram seu apartamento, matando três de suas filhas e tirando a visão de um dos olhos de outra.

Agora Abuelaish escreveu um livro de memórias que reafirma sua crença de que o conflito de décadas só será transformado quando os palestinos e israelenses reconhecerem individualmente sua humanidade precária, compartilhada. Como faz com frequência, ele se volta para metáforas médicas.

“Nós somos como gêmeos xifópagos, com um só coração e um só cérebro”, disse Abuelaish em uma entrevista por telefone do Canadá, onde agora é um professor associado de saúde da mulher na Universidade de Toronto. “Qualquer mal a um afetará o outro.”

O livro de memórias, publicado pela Walker & Company e com sinopse de Elie Wiesel, se chama “I Shall Not Hate: A Gaza Doctor’s Journey on the Road to Peace and Human Dignity” (eu não odiarei: a jornada de um médico de Gaza na estrada para a paz e dignidade humana). Um crítico do “The Globe & Mail”, em Toronto, disse que o livro foi “um dos mais comoventes que li sobre o assunto de Israel e Palestina”.

A morte aflitiva de suas filhas – Bessan, 20 anos; Mayar, 15; e Aya, 14– “me imunizaram contra mais sofrimento”, disse Abuelaish, um homem sério de 55 anos. Ele passou a reconhecer que o sofrimento não é causado por Deus, mas pelos indivíduos, e que “você, como ser humano, com seu potencial e sua capacidade, pode desafiar os seres humanos que causam o sofrimento”.

Em vez de deslegitimar a nação palestina, argumenta Abuelaish, os judeus –“por terem sido queimados pelo fogo do sofrimento” no Holocausto– deveriam se concentrar em melhorar a condição de vida miserável de muitos palestinos.

E os palestinos devem se conscientizar que o disparo de foguetes contra Israel incita a retribuição.

“O antídoto para vingança não é vingança”, ele disse. “Se eu quiser me vingar, isso não trará de volta minhas filhas. A inocência daquelas meninas não deve ser maculada pela vingança. Eu posso manter viva a memória delas com boas ações.”

Ele montou uma fundação chamada Filhas para a Vida em memória de suas filhas e para fornecer bolsas de estudo para mulheres jovens no Oriente Médio.

Em uma entrevista, Wiesel, o ganhador do Nobel da Paz, disse não ser capaz de explicar por que pessoas como Abuelaish conseguem superar o impulso de vingança e outros não, mas ele imagina que Abuelaish reconheceu que “o ódio odeia tanto a vítima quanto aquele que odeia”.

“A pessoa não deve esquecer, mas não usar a memória contra outras pessoas inocentes”, disse Wiesel.

Abuelaish rejeita aqueles que vivem no atoleiro dos argumentos históricos, que acusam os palestinos de incitarem o conflito ao rejeitarem o plano da ONU de 1947 de divisão da Palestina Britânica, ou que culpam os israelenses por injustiças cometidas como ocupadores. Não dá para corrigir a história, ele argumenta.

“Ser um médico me ajudou muito, porque nos concentramos em pessoas vivas, não nos mortos”, ele disse. “Quando os pacientes estão mortos, é perda de tempo.”

Ainda assim, o livro está repleto dessa história atormentada. Abuelaish cresceu filho de refugiados na cidade de Jabalia, em Gaza, mas sua família veio da região de Negev. Ele possui a escritura daquela propriedade, apesar da terra agora estar de posse de Ariel Sharon, o ex-primeiro-ministro de Israel.

“Ser expulso significa ficar marcado com a cicatriz da expulsão pelo resto de sua vida”, escreve Abuelaish.

Ele descreve a miséria dos campos de Gaza – latrinas fétidas, sem água corrente ou eletricidade –tanto sob controle egípcio quanto israelense. Após as duas intifadas, os soldados israelenses tornaram a travessia da fronteira especialmente difícil, mesmo para um especialista em infertilidade de um hospital israelense. Mas médicos israelenses salvaram as pernas de seu sobrinho Mohammed, que foi baleado no joelho e tornozelo por atiradores do Hamas em 2007.

A travessia mais difícil ocorreu em 2008, quando sua esposa, Nadia, estava internada em um hospital israelense com leucemia e ele estava na Europa. Ele teve que voar para Amã em vez de ao principal aeroporto israelense; tomar um táxi até a Ponte Allenby, que liga a Jordânia à Cisjordânia; então suportar horas de espera no posto de controle. Quando ele chegou, sua esposa já estava inconsciente. Ela morreu poucos dias depois.

Ainda assim, Abuelaish disse que se esforçou para não igualar o guarda rude com todos os israelenses, assim como gostaria que os israelenses não igualassem todos os palestinos a homens-bomba. O que ajudou foram suas amizades com israelenses: na adolescência, quando trabalhou na fazenda de uma família e depois com médicos, um dos quais, o dr. Marek Glezerman, escreveu a introdução do livro.

É verdade que Abuelaish se mudou para Toronto em 2009. Mas foi porque não queria mais os problemas de travessia nos postos de controle, que o separavam de seus cinco filhos restantes.

Ele estabeleceu um relacionamento com o romancista israelense David Grossman, que perdeu um filho nas horas finais da Guerra no Líbano, em 2006. Quando se encontraram, disse Abuelaish, eles falaram sobre seus filhos. E é o futuro das crianças, ele disse, que deveria estimular ambos os lados na direção da paz. Como ele escreve: “Se eu soubesse que minhas filhas foram o último sacrifício na estrada para a paz entre palestinos e israelenses, então eu aceitaria a essa perda”.
Tradução: George El Khouri Andolfato
No http://aposentadoinvocado1.blogspot.com/

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