quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A resposta está na seletividade da mulher ao escolher seu parceiro e na reeducação dos filhos.


VAMOS TORNAR GROSSERIAS NA RUA INACEITÁVEIS

Aposente o nariz de palhaço e seja feliz.

O post “De quem é o abuso de autoridade?”, publicado no final de dezembro, sobre a policial militar no RS que prendeu um sujeito que lhe disse grosserias na rua, rendeu excelentes comentários no final de dezembro. E faz uns dias que venho querendo colocar alguns deles aqui, porque não é todo mundo que lê caixa de comentários, e também porque assim eles ficam mais registrados (o sistema de buscas do blogspot não permite localizar palavras-chave em comentários, apenas em posts).
E pra quem ainda não entendeu: a questão não é a cantada. Não tô pregando o fim da paquera ou qualquer coisa do tipo. É o lugar e a forma. Uma mulher, quando sai à rua, pode ter vários objetivos, assim como quando um homem sai à rua. Pode sair pra pegar filho no colégio, pra comprar alguma coisa, pra ir de um lugar a outro. Geralmente esses objetivos não incluem “ouvir grosserias de estranho”. Agora, quando uma mulher vai a um bar, a uma festa, de repente, mesmo a uma livraria, ela pode sim ter outros objetivos e estar mais receptiva a falar com desconhecidos. E, provavelmente, se um estranho chegar pra uma mulher, não vai usar as mesmas táticas de uma grosseria na rua. Até porque, insisto, o objetivo do cara é diferente – ele não quer se mostrar no poder, como é o caso da cantada de rua, mas seduzir, conquistar. Se ele chegar junto de uma mulher num bar ou numa livraria e lançar um “Quero chupar sua menstruação de colherzinha!”, chances são que, ahn, ele não será bem sucedido (a menos que a intenção do cara seja causar mal-estar, repúdio, asco, e ser visto com um grande L de Loser na testa). Mas um aviso pros homens: ainda que seja completamente diferente dizer uma grosseria na rua e se aproximar de uma estranha num bar, saiba que o segundo comportamento não é tão maravilhoso assim. Isso porque tem uma regra que prega que “mulher sozinha é mulher disponível”. E imagino que você consiga pensar por que uma regra dessas seja péssima pras mulheres, não? Não? Ok, então: pode ser que a mulher queira ficar sozinha. Pode ser que ela esteja esperando alguém que ainda não chegou. Pode ser que ela tenha dispensado cinco bêbados antes de você. Pode ser simplesmente que sim, ela adoraria conhecer alguém, mas infelizmente esse alguém não é você.
Um leitor, o Amer (e outros antes), quis saber o que faria uma mulher se fosse abordada numa livraria, por exemplo. A pergunta do Amer: “Se eu fosse até uma de vocês em uma livraria e dissesse 'Com licença, mas você tem os olhos mais lindos que já ví. Aceitaria tomar um café comigo?', quantas aceitariam o convite e quantas considerariam isso assédio?”.
Não dá pra responder algo assim como se fosse uma ciência exata. Depende de cada mulher. Depende do dia. De repente num dia ela tá muito bem humorada e receptiva a elogios, e em outro ela só tá numa livraria pra comprar um livro (difícil de acreditar, eu sei). A moça na livraria pode ter namorado ou marido. Só porque ela está sozinha naquele momento não quer dizer que quer ser paquerada. E talvez puxar papo sobre livros, numa livraria, rendesse mais que chegar falando dos olhos. É como a Lauren respondeu: “Quanto ao limite da cantada, acho q um bom exercício é pensar se vc realmente tem alguma chance com o que vc pretende fazer. Ex: elogiar os olhos da moça e convidá-la pra um café, ela poderá aceitar? Com certeza. Fazer barulho de chupada com os dentes quando ela passar do seu lado vai fazer ela ficar com tesão ou nojo? E por aí vai. Garanto que não é difícil. :)”.
Mas é típico comportamento masculino (e de outros grupos privilegiados) querer transformar uma reclamação legítima ― mulheres odeiam ouvir grosseria na rua ― numa sessão de “Dicas para paqueras bem sucedidas”. It's not about you, man. Ou melhor, até é sobre você: o que você pode fazer pra ajudar a parar esse comportamento?
Posicionamento errado pra resolver o problema: fingir que o problema somos nós, as mulheres reclamonas. Como exemplo, o comentário do leitor Jbmartins: “O pior que teremos que andar de bico calado e sem assoviar, espero que minha esposa me perdou as cantadas que lhes dei e prometo que não farei mais, desde que esqueça” (tudo sic).
Oh que dó! Feri os sentimentos dele! Duas leitoras responderam no ato. Deborah: “Coitado de você, homem heterossexual, tolhido no seu sacrossanto direito de assediar as mulheres na rua, né? F*da-se o direito das mulheres de andarem na rua sem serem assediadas, mulher não importa mesmo, no fundo elas gostam...
Lauren: “Ah, claro, a esposa do Jbmartins tava passando na rua, eles nem se conheciam. Aí ele soltou um: 'ô lá em casa, hein! delícia! essa eu chupava todinha!'. Ela foi até ele, deu um beijo na boca, eles se casaram e viveram felizes para sempre”.
Não é assim que as coisas funcionam! E, se você conhece um caso de dois pombinhos que realmente se conheceram dessa forma, através de uma grosseria, por favor, poupe-me. Porque dizer “eu conheço um caso assim!” não vai convencer a humanidade que o planeta é quadrado.
A forma que eu considero correta de lidar com esse problema é simples. É empatizar com as mulheres. É acreditar na gente se a gente diz que não gosta de ouvir besteira na rua. É não ditar regras de como nós deveríamos reagir, mas pensar em como você, homem, deveria agir. O que a Deborah diz: “Meu namorado mudou de postura em relação ao feminismo quando comecei a contar para ele algumas das histórias que já tinha vivido. E olha que nem são das piores, não, são 'só' esse assédio cotidiano que sofremos pelas ruas. A maior parte dos homens não faz ideia de quanto abuso sofremos o tempo todo, e nos acostumamos a engolir sob os mais variados pretextos”.
É isso. Você não faz ideia. Então pare pra pensar. Preste atenção no que suas amigas, namorada, irmã, talvez até sua mãe, têm a lhe dizer a respeito.
O Bruno Stern fez isso: “Eu sempre me lembro do quanto fiquei surpreso quando as meninas da escola (na época não devíamos ter 15 anos) contaram das gracinhas que escutavam dos frequentadores de um bar nas proximidades. Os senhores, todos de cabelos brancos, diziam os maiores absurdos às meninas sozinhas ou em grupo, mas nunca se manifestavam se houvesse um garoto no grupo, tamanha era a covardia”.
E o Rogério fez algo ainda mais difícil ― assumiu a culpa: “Putzz! Li esse post ontem, e fiquei até agora pensando nas m*rdas que eu já fiz por aí. Lola, eu já fiz tudo isso (que vergonha!!). Lembro-me de uma vez em que eu estava voltando de uma festa que acabou lá pelas tantas da madrugada. A rua estava deserta, e eu vi uma mulher andando na minha frente. Não havia mais ninguém na rua, só eu e ela. Ao perceber que o ambiente estava favorável, eu comecei a dizer toda sorte de absurdos a essa mulher, todos os insultos e piadinhas de mau gosto possíveis e imagináveis. E quanto mais a mulher ficava apavorada por não ter a quem recorrer e andava rápido para fugir de mim (ela certamente pensou que seria estuprada se eu conseguisse alcançá-la), mais eu dizia as coisas mais impublicáveis do mundo - e me divertia sadicamente com isso. Alguns metros depois, três amigos dela vinham andando no sentido contrário e, ao ver isso, ela correu e se atirou nos braços deles para escapar daquele terrorismo psicológico que eu estava fazendo com ela. Gravei na mente até o momento em que ela suspirou de alívio. Ao notar que aqueles três cabras eram amigos dela, desta vez quem correu fui eu. Afinal de contas, se ela dissesse a eles o que eu fiz, eles poderiam vir atrás de mim para me dar porrada. Relutei pacas em dar esse depoimento aqui. Foi a forma que eu encontrei de exorcizar os meus fantasmas e me tornar menos machista. Já melhorei bastante (o fato narrado aconteceu há cerca de doze anos; eu tinha 18 na época), mas ainda preciso mudar mais”.
O Rogério, que nem é um comentarista frequente, decidiu refletir. Analisou o seu comportamento (do qual já estava arrependido há anos), notou como sua intenção na época não era seduzir a moça, e sim aterrorizá-la (puro power trip, e depois tem gente que não vê grosseria na rua como um “olha quem manda aqui”), se pôs no lugar dela, se arrependeu do que fez. Enfim, exorcizou seus fantasmas. Exorcize os seus também. E convença seus amigos a fazer o mesmo. É como uma campanha inglesa contra assédio sexual nas ruas diz: não dá pra criminalizar as grosserias, mas dá pra torná-las socialmente inaceitáveis.
http://escrevalolaescreva.blogspot.com/

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