PT vai à guerra (?)
Sob a liderança de Lula e com a concordância da presidente Dilma, o
Partido dos Trabalhadores parece finalmente ter entendido que estava
sendo tramado um golpe eleitoral contra si. A direita midiática
pretendia usar o julgamento do inquérito do mensalão pelo Supremo
Tribunal Federal neste semestre ou, no máximo, no próximo – em pleno
processo eleitoral – para vitaminar a oposição e debilitar o PT.
Eis que cai no colo do partido o escândalo envolvendo Carlinhos
Cachoeira e expoentes da oposição demo-tucana como a vestal-mor da
República, o senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO), e o acusador de Lula
de ter tomado conhecimento do “mensalão”, o governador de Goiás,
Marconi Perillo.
Aturdida, a mídia passa a tentar se desvincular de Demóstenes e cai
de pau em cima dele afetando indignação e se dizendo “traída”. Parceira
de Cachoeira, que lhe fundamentou a maioria dos ataques ao PT –
inclusive durante eleições presidenciais – na década passada e que
acabara de ser flagrada em centenas de contatos diretos com o bicheiro,
tenta reagir à ameaça de investigação por suas relações com o crime
organizado e desencadeia uma campanha em que ameaça o partido do governo
com um “efeito bumerangue” contra si e o governo Dilma caso a
investigação prossiga.
Poucos dias após dizer que Lula e Dilma apoiavam a criação da CPI,
agora a mídia diz que a presidente e “setores do PT” estariam “com medo”
da investigação. Além disso, atende à estridência do senador tucano do
Paraná, Álvaro Dias, que vinha afirmando que o vazamento de escutas
seria seletivo, e começa a noticiar cobranças ao ministro da Justiça,
José Eduardo Cardoso, sobre os vazamentos e a tal “seletividade” cobrada
pela oposição.
O PT reage com vídeo
de seu presidente, Rui Falcão, em que denuncia que a mídia quer abafar o
escândalo de Cachoeira e impedir a CPI, e cobra empenho do partido e de
aliados pela instalação da investigação e posterior desmascaramento da
“farsa do mensalão”.
Em seguida, o partido divulga em seu site resolução política
em que repete a exortação de seu presidente e também denuncia uma
“Operação abafa em torno do envolvimento do senador Demóstenes Torres
(DEM-Goiás) com a organização criminosa comandada pelo notório Carlos,
alcunhado de Carlinhos Cachoeira”.
Por fim, nesta sexta-feira 13, no Jornal Folha de São Paulo, uma
prévia daquilo em que deverá se transformar a CPI que a mídia tenta
convencer o PT a não levar adiante ou, se levar, que ao menos não leve a
sério, sob ameaça de transformá-la em uma CPI contra si mesmo. Ciente
do envolvimento da Editora Abril, que edita a Veja, e possivelmente de
outros meios de comunicação nas investigações, o jornal dá outro passo
para o inevitável.
Em primeiro lugar, publica artigo de Rui Falcão que desanca a
oposição e a mídia e as acusa de envolvimento com o crime organizado.
Abaixo, reproduzo o texto.
—–
FOLHA DE SÃO PAULO
13 de abril de 2012
Tendências / Debates
Página A3
Por Rui Falcão
Mais do que uma “vendetta” contra o fanfarrão, a CPI pode
explicar o que existia além da ligação de patrão e empregado entre
Cachoeira e Demóstenes
O episódio que revelou a escandalosa participação do senador
Demóstenes Torres (ex-DEM) em uma organização criminosa merece algumas
reflexões e, olhando para o futuro, uma ação imediata.
Desde que foi constatada a cumplicidade do senador com uma
gama infindável de crimes, assistimos a uma tentativa (às vezes
ridícula)de explicação para o logro em que alguns caíram.
Como justificar que o arauto da moralidade, crítico feroz dos
governos Lula e Dilma, trabalhava e traficava informações, obtidas pelo
uso indevido do mandato, para um conhecido contraventor?
Até a psicanálise foi fonte de argumentos na tentativa vã de
entender as ligações do senador com o contrabando, o jogo ilegal, a
escuta clandestina e a espionagem. todas práticas tipificadas no Código
Penal.
O certo, porém, é que a veneração que setores da mídia
nutriam por Demóstenes refletia uma espécie de gratidão pela incansável
luta, essa sim verdadeira, do parlamentar contra todos os avanços
sociais obtidos pelos governos petistas.
Ressalte-se, aliás, que mesmo depois de flagrado na
participação ativa em organização criminosa, o ainda senador, fingindo
ignorar o mundo real, arvora-se a analisar, sob o crivo crítico dos
tempos de falsa vestal, ações do governo Dilma.
Mais do que uma “vendetta” contra o fanfarrão, porém, o
Congresso está diante de uma oportunidade única de desvendar um esquema
que, pelo que foi divulgado até agora, não se resume à ligação de
empregado e patrão entre Demóstenes e o contraventor Carlinhos
Cachoeira.
A morosidade do inquérito em algumas de suas fases e as
ligações pessoais do promotor de carreira Demóstenes Torres com membros
do Judiciário precisam ser investigadas. O mesmo se exige na apuração de
vínculos obscuros do senador com altos mandatários de seu Estado,
Goiás, bem como de sua quadrilha com veículos de comunicação. Que não se
permita a operação abafa em andamento. Que se apure tudo, até para
dissipar suspeitas.
O único caminho para o esclarecimento passa por uma CPI no
Congresso, onde alguns parlamentares também foram ludibriados pelo falso
paladino das causas morais.
Cabe à Câmara e ao Senado, sem nenhum espírito de corpo, aproveitar a oportunidade única de desmascarar a farsa até o fim.
Talvez, no caminho da investigação, descubramos outros
pregadores da moralidade que também se beneficiem do esquema que se
abastecia das informações colhidas e transmitidas ao chefe pelo senador
Demóstenes Torres.
A história brasileira registra outros episódios em que a
pregação das vestais serviu para embalar a defesa de interesses sempre
contrários aos da maioria da população. O falso moralismo udenista não
está tão distante.
Se a forma do engodo não é nova, cabe ao Congresso provar,
com a CPI, que o país está disposto a dar um basta a esquemas de
banditismo. O Partido dos Trabalhadores defende a instalação de CPI no
Congresso e conclama a sociedade organizada a se mobilizar em defesa da
mais ampla apuração do esquema corrupto desvendado pela Polícia Federal
na Operação Monte Carlo.
Rui Falcão é deputado estadual (SP) e presidente nacional do PT
—–
Na mesma edição, na página A7, o jornal, finalmente, materializa
quase que por completo a assunção inevitável de um assunto que já dá de
barato que virá à pauta por força da CPI, caso o PT continue se mantendo
disposto a ir à guerra contra a inversão de uma investigação que
surpreenderá o país ao expor as relações incestuosas entre imprensa,
oposição e crime organizado.
Abaixo, a “reportagem” que pretende responder ao texto do presidente do PT publicado quatro páginas antes.
—–
FOLHA DE SÃO PAULO
13 de abril de 2012
Tendências / Debates
Página A7
Catia Seabra / Márcio Falcão, de Brasília
PT associa “setor da mídia” a criminosos e defende regulação
Partido afirma que relações reveladas pelo caso Cachoeira comprovam “urgência” de medidas de controle da imprensa
Em evento ontem no Planalto, no entanto, a presidente Dilma Rousseff defendeu a liberdade de imprensa
BRASÍLIA – O PT vai usar a instalação da CPI do Cachoeira
para voltar a investir contra a mídia. A disposição está expressa em
documento divulgado ontem pela cúpula do partido.
Redigido pelo comando petista, o texto cita a investigação do
esquema de Carlos Cachoeira, acusado de exploração do jogo ilegal, a
pretexto de voltar a cobrar a fixação de um marco regulatório para os
meios de comunicação.
“Agora mesmo, ficou evidente a associação de um setor da
mídia com a organização criminosa da dupla Cachoeira-Demóstenes, a
comprovar a urgência de uma regulação que, preservada a liberdade de
imprensa e livre expressão de pensamento, amplie o direito social à
informação”, diz a nota.
Mesmo sem dar nomes, o alvo primário do PT é a revista
“Veja”. Em grampos já divulgados do caso, um jornalista da publicação
tem o nome citado por membros do grupo do empresário.
A revista já publicou texto informando que Cachoeira era
fonte de jornalistas, inclusive do chefe da sucursal de Brasília,
Policarpo Júnior, e que não há impropriedades éticas nas conversas.
Integrantes da Executiva do PT e congressistas do partido defendiam que a “Veja” fosse investigada na CPI.
O cálculo político petista inclui o raciocínio segundo o qual
o bombardeio sobre mídia e oposição poderá concorrer na opinião pública
com o julgamento do mensalão -o esquema de compra de apoio político ao
governo Lula descoberto em 2005, que deve ser apreciado pelo Supremo
Tribunal Federal neste ano.
O próprio presidente petista, Rui Falcão, falou que a CPI deve investigar “os autores da farsa do mensalão”.
Há a intenção de questionar reportagens sobre o mensalão
usadas como prova judicial. A estratégia é tentar comparar a produção de
reportagens investigativas, que naturalmente envolvem contato de
jornalistas com fontes de informação de várias matizes, a práticas
criminosas.
Para tanto, segundo a Folha apurou, réus do mensalão como o
ex-ministro José Dirceu instruíram advogados a buscar menções à revista e
à mídia nas apurações da PF sobre o caso Cachoeira. Dirceu vai a evento
no final de semana sobre regulamentação da mídia em Fortaleza.
O movimento do PT contrasta com discurso da presidente Dilma
Rousseff. Ontem, em cerimônia do Minha Casa, Minha Vida, ela defendeu a
liberdade de imprensa.
“Somos um país que convive com a liberdade de imprensa, somos
um país que convive com a multiplicidade de opiniões, somos um país que
convive com a crítica.”
—–
Como se vê, o jornal termina o texto como que recorrendo a Dilma.
E como disse acima, a matéria escancarou quase tudo. Faltou informar
ao distinto público que o que houve entre a Veja e Cachoeira não foi
“Produção de reportagens investigativas, que naturalmente envolvem
contato de jornalistas com fontes de informação de várias matizes”, mas
centenas de ligações telefônicas, encontros e declarações
comprometedoras da quadrilha que afirmam que Cachoeira foi o autor
intelectual de “todos” os ataques da Veja ao PT.
A única coisa que se espera do partido, portanto, é que não aceite
uma negociata que envolva recuo da direita midiática no uso político do
julgamento do mensalão, talvez até com postergação desse julgamento, em
troca de a CPI não fazer tudo o que prometem o presidente do PT e o
próprio em vídeo e textos supra reproduzidos.
No http://www.blogcidadania.com.br/2012/04/pt-vai-a-guerra/
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