Luiz Cláudio Cunha: O samba atravessado da escola de pijama
O samba atravessado da escola de pijamapor Luiz Cláudio Cunha, no Sul 21, sugestão do Franco Atirador
Às vésperas da instalação da Comissão da Verdade, que irá dissecar a
ditadura, os militares brasileiros continuam atrapalhados em suas
fantasias. Atravessaram o Carnaval batendo bumbo contra o Governo
Dilma, usando a bateria dos decadentes Clubes Militares, concentração
nostálgica de oficiais-generais camuflados com o pijama da reserva,
sempre reprisando o velho refrão da Guerra Fria e entoando o fossilizado
ramerrão da ‘ameaça comunista’.
Desta vez, o baticum militar veio na forma de um manifesto, assinado
pelos presidentes dos clubes do Exército, Marinha e Aeronáutica, contra
duas ministras do Governo. Reclamaram de uma entrevista de Maria do
Rosário, onde a ministra dos Direitos Humanos explicava que a Comissão
da Verdade poderá alimentar processos na Justiça contra agentes que
praticaram a tortura na ditadura. E chiaram contra Eleonora Menicucci,
ministra de Política para Mulheres, por “críticas exacerbadas aos
governos militares” e por atuar, como ex-integrante do Partido Operário
Comunista (POC), para “implantar, pela força, uma ditadura, nunca tendo
pretendido a democracia”. E ainda sobrou um bordão contra a “falácia”
do PT, criado “quando o governo já promovera a abertura política”.
O alarido militar chegou ao auge quando voltou a bateria contra a
presidente suprema da escola, Dilma Rousseff, vaiada pelos oficiais sem
farda por não expressar “desacordo” com suas ministras e seu próprio
partido — comportamento absurdo que só caberia no enredo esquizofrênico
de um samba do crioulo doido. O ensaio de rebelião foi escrito na
quinta (16) anterior ao Carnaval, ganhou a avenida na terça-feira (21)
de folia e rendeu um puxão de orelhas de Dilma já na quarta-feira (22),
quando tudo virou cinzas. O manifesto de 49 linhas acabou
desautorizado naquele mesmo dia num texto seco, de uma única linha,
assinado pela comissão de frente dos clubes, integrada por seus
presidentes – um general de exército, um vice-almirante e um
tenente-brigadeiro -, os mesmos signatários do torpedo original,
subitamente arrependidos. De tão envergonhado, o recuo ficou
escancarado apenas 20 minutos no site da internet — e depois se
evaporou, como a coragem de seus integrantes.
A evolução desastrada e as alegorias de mau-gosto dos clubes, que
pretendem ecoar o que não pode ser cantado nos quarteis por impedimento
constitucional, mostram uma dificuldade crônica do pensamento militar.
Posam de democratas tardios, esquecidos de que as ministras que hoje
atacam apenas reagiam, nos anos de chumbo, à ditadura sem adereços, sem
graça e sem fantasia que eles impuseram ao país por duas décadas — um
‘paradaço’ democrático muito mais dramático e angustiante do que o
revolucionário silêncio de dois minutos da bateria da Mangueira no
sambódromo de 2012.
Nos anos que antecederam o golpe de 1964, sintomaticamente, os clubes
militares eram as quadras de ensaio para agitação e o foco de
conspiração contra o regime constitucional e a democracia. Terminado o
longo desfile militar, e com a volta do povo à avenida, os clubes
reconquistaram a sua devida irrelevância. Já não falam pela tropa, nem
mesmo por seus componentes, desmentidos por líderes que revogam seus
manifestos com a mesma leviandade com que revogavam a democracia. O
Brasil não pode mais perder tempo com fantasias. O carnaval acabou — e a
ditadura também.
Luiz Cláudio Cunha é jornalistacunha.luizclaudio@gmail.com
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