segunda-feira, 11 de junho de 2012

"Aprendemos lições desde pequenas: aprendemos que é preciso ter um homem, que é preciso agradá-lo sempre, que temos de ser educadas e quietinhas. De onde vocês acham que vem essa realidade de que a maioria das mulheres estupradas não denuncia? "

"Tá tudo errado! Precisamos abolir esse pensamento tacanho que mulher se desvaloriza ao ter vários parceiros. Ou que homem se valoriza ao ter várias parceiras. Por que atribuir qualquer valor moral ao sexo?"

ESTUPRO, UM CULTO À MASCULINIDADE

Estupro é uma forma de poder e dominação através do sexo. Homens que adotam o modelo de masculinidade vigente ganham de brinde todos os preconceitos mantidos por esse mesmo modelo. Este culto se baseia em dominar as mulheres, principalmente no quesito sexual.
É basicamente isso que diz um ótimo artigo de Gloria Steinem e Lauren Wolfe chamado “Violência sexual contra mulheres é resultado do culto à masculinidade”. Elas apontam que, quando falamos em racismo, o maior foco é no racista. Quando falamos em antissemitismo, o foco é no antissemita. Então por que, ao falarmos de estupro, o maior foco não é no homem que estupra, e sim nas vítimas?
Um exemplo desse culto à masculinidade é que, tanto nas guerras quanto em gangues de rua, homens costumam cometer estupros em grupo. Estuprar em grupo os une. É uma forma de provar sua masculinidade aos outros membros do grupo. Não é incomum que, em guerras, oficiais militares mandem soldados estuprar como prova de sua lealdade. Também não é nada raro que estupradores em grupo digam, mais tarde, que não queriam estuprar, e que só o fizeram por causa da pressão do grupo.
Esta pressão de grupo acontece o tempo todo em nossas vidas. E faz muitos de nós fazermos coisas erradas e contra a lei, como dirigir depois de beber. Por que pensar que essa pressão só se aplica a gangues ou guerras? Vejo direto no Twitter rapazes que querem se enturmar provando sua lealdade uns aos outros através da exibição de sua masculinidade, que se dá via trollagem. Um alvo preferencial são feministas. Parece que atacar feministas vale tapinhas nas costas do grupo todo. Eles fazem isso rotineiramente. Não estou dizendo que esses caras são estupradores, mas que eles sofrem pressão para provar sua masculinidade. E sua masculinidade tem sérios problemas em lidar com as críticas que feministas fazem a um modelo de masculinidade que já ficou pra trás.
Nós mulheres também sofremos muitas pressões, óbvio. Aprendemos lições desde pequenas: aprendemos que é preciso ter um homem, que é preciso agradá-lo sempre, que temos de ser educadas e quietinhas. De onde vocês acham que vem essa realidade de que a maioria das mulheres estupradas não denuncia? Será que a gente se junta numa convenção e decide optar pelo silêncio, ou será que aprendemos isso já na infância?
A pressão social para adotar um único modelo (também falido, a meu ver) de feminidade existe, mas este modelo não é tão prejudicial à sociedade como o modelo da masculinidade. O mundo ainda vê ser feminina como ser mãe e ser bonita. Ser feminina, segundo esse padrão, é ser comportada, é “se valorizar”, é se adornar para atrair e agradar um homem. E ser masculino é sair por aí caçando o máximo de mulheres possíveis, ao mesmo tempo desvalorizando as mulheres que “cedem fácil”. Ou seja, a pressão é justamente para que haja uma guerra dos sexos em que as garotas se valorizam evitando sexo, e os garotos se valorizam fazendo sexo. Tá tudo errado! Precisamos abolir esse pensamento tacanho que mulher se desvaloriza ao ter vários parceiros. Ou que homem se valoriza ao ter várias parceiras. Por que atribuir qualquer valor moral ao sexo?
A pressão social não faz com que os homens saiam por aí estuprando, mas afeta, e muito, o jeito como homens veem o estupro. Pra começar, estupro é visto pela maioria como um assunto feminino e distante. Só acontece com as mulheres, e não acontece com nenhuma que a gente conhece. Estupro de homens só acontece na prisão, e aí a gente ri disso, faz piadinhas sobre abaixar pra pegar o sabonete, é tudo muito engraçado. O dia a dia nos lembra que estupro, a maior diversão, não é um problema. Todas as piadas de estupro que envolvem mulheres têm uma só mensagem: a mulher quis. A mulher gostou. Foi uma oportunidade pra ela. 
E tantos homens contam essas mesmas piadas sem desconfiar que estão perpetuando uma cultura de estupro. Aí, quando vem uma feminista pedir que homens façam a sua parte, que se conscientizem sobre estupro, que condenem o estupro em vez de usar o tema pra piadas, eles praticamente gritam em coro: “Não posso fazer nada! Eu não estupro! Não tenho nada com isso, e detesto você por tocar no assunto e dizer que todos os homens são estupradores!” Bom, em nenhum momento da minha vida eu disse que todos os homens estupram. São vocês que estão dizendo que nenhum estupra, ou que só doentes estupram, ou que estupro não existe, já que vocês não conhecem nenhuma mulher que foi estuprada, e não têm nenhuma amizade com estupradores. Afinal, estupro é só o que acontece em vielas escuras, à noite, com uma mulher que estava no lugar errado no horário errado vestindo a roupa errada.
Até num caso tão evidentemente condenável como aquele de Queimadas, PB (que não recebeu atenção suficiente da mídia), em que homens planejaram uma festa de aniversário para poder estuprar as conhecidas, eu li textos de homens me condenando por falar no assunto e “culpar os homens”. Até num caso desses eles juram que não foi o machismo e o culto à uma masculinindade arcaica que fez os estupradores agirem assim. Foi a natureza humana. Ou o descontrole de um ou outro indivíduo. Bela maneira de tirar o corpo fora, pessoal!
Enquanto homens continuarem vendo estupro como um problema individual, não social, o estupro seguirá firme. Enquanto homens pregarem que o estupro -– que não tem nada a ver com eles -– pode ser resolvido de duas formas básicas (mulheres não se colocarem em posição de perigo: não saírem à noite, não usar roupas convidativas, não beber etc; homens que estupram serem punidos com pena de morte ou castração e serem estuprados na cadeia), vocês não estarão ajudando.
Enquanto vocês disserem que estupro não é um problema seu, vocês estarão ajudando a perpetuar a cultura de estupro. Por que estupro tem que ser um problema só meu, e não seu? Ué, eu, assim como você, não sou estupradora. Eu, assim como você, nunca fui estuprada. A lógica é que se não é um assunto pra vocês, porque vocês nunca estupraram, então não deve ser assunto para nenhuma mulher que não foi estuprada. E mesmo as que foram estupradas, fiquem quietinhas aí, que o tema é desagradável e você está se vitimizando se contar a sua história. Criamos uma espiral de silêncio, torcendo para que, se ninguém tocar no assunto (a menos que seja pra fazer piada; aí pode!), o estupro desapareça.
Assim como estupro não é um assunto feminino, não deve ser visto como um assunto exclusivamente feminista. Homens (principalmente meninos) também são estuprados. O estupro afeta todo mundo. Numa zona de guerra, o estupro não atinge apenas as mulheres estupradas. Afeta os maridos e filhos dessas mulheres. Afeta a comunidade inteira. Afeta os próprios estupradores. Não estamos numa zona de guerra, felizmente, mas estupros (que podem acontecer com sua mulher, sua mãe, sua filha) afetam a forma como mulheres veem os homens. Somos ensinadas a temer vocês. Estupros afetam a nossa liberdade sexual, nosso direito de ir e vir. Só sendo muito tapado pra pensar que um medo constante da metade da população não interfira com a outra metade.
Talvez um bom começo seja refletir sobre que modelo de masculinidade vocês querem seguir. O que é “ser homem” pra vocês? Que modelo de masculinidade vocês querem passar a seus filhos?
 
No http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/

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