Nosso papel, como homens, não é o de guiá-las à iluminação, mas a de
estar ao lado delas em suas lutas e deixá-las se comportar como bem
entenderem. Temos de entender que não as comandamos, mas somos
parceiros, iguais. E enquanto elas forem tratadas como inferiores,
devemos sempre estar prontos a ir à luta, junto com elas.
POR RAPHAEL TSAVKKO
Vadias, putas: E a liberdade da mulher?
publicado em colunistas
Não
é fácil ser mulher. Na verdade, nunca foi fácil. E não é preciso ser
uma — eu não sou — para saber disso, basta conhecer um pouco de história
e, enfim, observar o mundo. Um homem sem camisa está apenas com calor,
uma mulher sem camisa, se em público, é uma vadia. De objeto de desejo
(notem bem o “objeto”) à puta em um pulo, a depender do contexto ou do
interlocutor, mas jamais algo natural.
Elas já foram bruxas, já foram incapazes
de votar, de andar sozinhas (na Arábia Saudita ainda são pouco melhores
que cães, e isto porque quero ver encontrar um cão por lá, os Árabes
não são seus maiores fãs), de pensar... Meros objetos (de novo) para o
prazer masculino.
Prazer mesmo elas não sentem. Os dez
segundos até o garanhão chegar ao gozo, se não forem suficientes para a
mulher, azar o dela. E nem pensar em se masturbar para compensar, é
pecado. Mulher que pensa é um perigo, a que cura é bruxa, a que enfrenta
a adversidade e luta para ser alguma coisa é... inaceitável!
As mulheres nunca foram relevantes na
história, salvo exceções. Não por não serem capazes, pelo contrário, mas
por serem impedidas de viver livremente e, quando o faziam, a história
buscava apagá-las.
O pior de tudo isto é que não falo de um
passado distante, mas do século 21, de hoje. E não apenas da Arábia
saudita e semelhantes, mas em grande parte do Brasil.
Com o crescimento do fanatismo e alcance
de igrejas (neo)pentecostais, o silêncio governamental, o aumento do
conservadorismo da população vemos episódios de brutal violência contra a
mulher e contra sua liberdade — sem contar com o aumento assustador da
homofobia, que também vitima mulheres, mas isto é assunto para outro
artigo.
Casos como os de Geisy Arruda são
emblemáticos. Após sofrer violência e humilhação, acabou se tornando o
objeto que era repudiado na Uniban, mas parece ser admirado em rede
nacional de TV. Não é possível culpá-la. Nem por se vestir com vestido
curto — é problema seu — nem por ter sucumbido a um estereótipo — assim
dita a sociedade. É melhor lucrar com a adversidade que simplesmente
sumir na depressão, não é?
Aliás, não cabe a mim, um homem, culpar
uma mulher por seu comportamento. E sim, estou dizendo que o problema é
dela, e só dela, se comportar como bem quiser.
Além disto, estamos falando de um país
— ou de uma sociedade — absolutamente midiática. É preciso ter 15
minutos de fama, aparecer na TV para ser “alguém”, logo, não surpreende o
rumo dos acontecimentos.
Na nossa sociedade, a mulher pode tirar a
roupa em um humorístico de qualidade duvidosa, mas jamais andar com
roupas curtas na rua, faculdade... Ela provavelmente cairá na boca do
povo de qualquer forma, mas parece melhor ser um objeto de desejo que
ser violentada.
E sim, estas são as “opções” mais comuns para quem foge do padrão conservador — esquizofrênico tupiniquim.
É interessante que uma sociedade tão
sexualizada, ou melhor, onde a mulher é sempre mostrada como objeto de
prazer, onde há um carnaval em que é comum vermos mulheres seminuas
ainda se escandalize com uma mulher que tenha transado com mais de uma
pessoa, que não case virgem... Na verdade, não é interessante, faz
sentido. Voltamos a falar de “objeto”.
Vale lembrar, para um homem, “pegar”
cinco garotas numa festa é algo maravilhoso, ele é apontado como
“garanhão” pelo grupo. Se o mesmo “feito” vier de uma mulher, ela logo
será taxada de puta. Mas, na prática, qual a diferença? Porque uns
podem, outro(A)s não? Não que este comportamento desregrado seja o
ideal, mas devemos ser livres para decidir.
Mulheres ainda recebem menos que os
homens e nosso governo não teve a coragem de manter uma proposta
igualando os salários por força de lei. E isto porque temos uma
presidente mulher, uma presidentA, mas que até agora não deu um passo
sequer no caminho dos direitos das mulheres. Pelo contrário, aprovou
medida provisória que torna ainda mais complicado o aborto, ao tentar
dar direitos a um feto, como se fosse um ser humano, dentre outras
medidas.
Enfim, em pleno século 21 mulheres,
milhares, são forçadas a sair às ruas e se manifestar pelo simples
direito de serem livres. De terem direitos sobre seus corpos, de se
vestirem como quiser e de poder decidir suas vidas sem a imposição de um
homem, de uma sociedade machista.
A marcha das vadias
que aconteceu nos dias 26 e 27 de maio é uma demonstração da crescente
insatisfação das mulheres com o tratamento que recebem. Devem seguir um
padrão único de beleza, se vestir sempre da forma “correta” para cada
momento, ou seja, devem se vestir para serem desejadas quando o homem
quiser, quando a mídia ditar, e devem se esconder se fogem do padrão ou
em momentos específicos.
Não podem decidir sobre suas vidas, sobre como se vestir, sobre como e quem amar.
Engana-se o homem que pensa não ter
responsabilidade. Somos todos machistas, em graus diferentes, uns pouco,
outros muito, mas todos temos algo de machista em nós, nos pequenos
detalhes, nas menores atitudes — ou mesmo em todas elas.
Nossa função, pois, é a de ouvir,
compreender e apoiar as mulheres em sua luta, ao passo que tentamos
aprender como agir e como respeitá-las.
Nosso papel, como homens, não é o de
guiá-las à iluminação, mas a de estar ao lado delas em suas lutas e
deixá-las se comportar como bem entenderem. Temos de entender que não as
comandamos, mas somos parceiros, iguais. E enquanto elas forem tratadas
como inferiores, devemos sempre estar prontos a ir à luta, junto com
elas.
No http://www.revistabula.com/posts/colunistas/vadias-putas-e-a-liberdade-da-mulher
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