quarta-feira, 13 de junho de 2012

"Todas as artes contribuem para a maior de todas as artes, a arte de viver." Bertold Brecht

Arte para quê?

Mazé Leite *

A arte satisfaz o homem. Como o alimento e a água que nutrem o corpo, a arte vem nutrindo a alma humana desde os tempos mais remotos. Ainda hoje se questiona sobre o que exatamente a arte possui que cativa as pessoas de todos os tempos, culturas, tradições. O que é Arte?


Muitos autores já escreveram respostas para essa pergunta. Muitos debates, conversas, seminários, interlocuções vêm acontecendo desde os mais antigos tempos para se chegar a alguma aproximação sobre o que é Arte, qual o caráter essencial da Arte, essa capacidade humana que molda o mundo como a casa de todos, num fazer para onde confluem nossas alegrias e nossas tristezas mais profundas. E que nos atrai mais do que pensamos ou prevemos. E que irradia significado para a nossa vida do cotidiano, nos permite seguir em frente nas tarefas da existência, nos dando força para recriar nossas próprias vidas, enquanto vamos moldando o mundo.

A arte nos faz mais humanos, nos faz grupo e nos faz indivíduos.

Cantamos juntos a mesma música; ouvimos em bando silencioso um maestro regendo uma orquestra sinfônica; em grupo estamos no teatro, enquanto Antígona implora justiça para seu irmão morto; no cinema, damos estrondosas gargalhadas diante de Charles Chaplin ou choramos miúdo e quieto diante da morte da mãe do menino de “Roma, cidade aberta”; vamos aos milhões para as ruas das cidades em viradas culturais; mas também nos quedamos solitários, contemplativos diante de uma pintura que nos toca; ou admirados diante dos desenhos de Escher; ou esputefatos, se nos deparamos com as maravilhas criadas por gênios como Michelangelo, Caravaggio, Rembrandt, Vermeer, Velazquez, Rafael, Courbet, Delacroix, Ingres, Sargent, Sorolla...

Pintar e desenhar é um exercício de aprender a ver o mundo. Porque normalmente nós não vemos o mundo. Vemos o trivial, o corriqueiro, o passageiro, o superficial. Quando pintamos e desenhamos, nosso olhar vai penetrando camadas do real que escapa ao olhar comum. E na medida em que vamos penetrando nas coisas, mais informações vão surgindo, mais há o que ver, num exercício de percepção que se aprofunda cada vez mais e que tende ao infinito... O Real é infinito... Nunca olhamos do mesmo jeito para a mesma coisa. Assim como a mesma coisa nunca aparece da mesma forma a cada olhada. A cada olhada, a coisa é outra, o mundo é diferente. Há algo na percepção do mundo que é uma via de dupla mão, e a relação não é nem predominantemente ativa e nem passiva. A coisa observada de alguma forma nos observa, como relatam as experiências da física quântica. O mundo está aí, desde seus primórdios, para ser descoberto. E jamais deixa de ser descoberto, porque infinito.

Mas pintar e desenhar também é uma forma de linguagem para descrever isso que vemos. A Retórica tem seus limites; a gramática é finita. Nenhuma língua humana é capaz de alcançar certos estados da realidade e nossa relação com ela, para descrever, para contar a experiência. Um por de sol maravilhoso, singular, vivenciado em um momento de êxtase, jamais poderá ser contado fielmente, se quisermos narrá-lo a outra pessoa. Há músicas, filmes, peças de teatro – obras de arte – que nos calam, sobre os quais não achamos palavras, todas são pobres, todas rebaixam as experiências, ou, como diria o poeta francês Mallarmé, se coisificam, se mercantilizam. Empobrecem a experiência do Real. Há estados de alma inenarráveis, sobre os quais não há o que se falar, não dá para descrever. Como uma mãe em profundo estado de choque pela perda do filho é capaz de falar da sua dor de uma forma que ela se torne no outro do mesmo tamanho que é para ela? Ou como ser capaz de por em palavras a emoção de um abraço na pessoa amada, depois de tempos sem vê-la? Ou como contar da alegria imensa que sentimos num momento qualquer de realização pessoal?

Mas pode-se fazer música, poesia, pintura, escultura, dança... com essas vivências para as quais a gramática é pobre. A Arte cria essa ponte entre o Real essencial e a vida cotidiana, numa linguagem inteligível por qualquer ser humano, de qualquer língua, porque a linguagem da Arte é a linguagem mais profunda que vem da alma humana e que une todos os seres humanos.

Mas como vivemos em um mundo desigual, uns se beneficiam da possibilidade da aproximação com obras de arte... O mundo capitalista é mal para a maioria, que corre atrás do cotidiano, sem direito a momentos de fruição dessas possibilidades de REAL-IZAÇÃO do Real em si mesmos. Do Real, essa potencialidade de beleza e de harmonia que nos chama e nos inflama, quando uma janela se abre para ele...
Mas um passarinho canta nesta manhã fria de São Paulo. Da gaiola do apartamento vizinho, ele entoa sons que nada custam, que não tem valor de mercado, que não servem para nada (no sentido utilitário das coisas do mundo atual). Mas que chama a um momento de silêncio, mínimo que seja, para que seu canto nos encante.

No http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=4772&id_coluna=74

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